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No filme documentário “Os Catadores e Eu” (Les glaneurs et la glaneuse / 1999), a diretora belga Agnès Varda nos mostra o universo da catação na França contemporânea. Catadores ou “respigadores”, contam a teimosia atual dos recuperadores que se curvam; homens e mulheres, catam histórias, objetos e comida. Varda mostra os campos de batata e a catação da sobra da colheita, uma cultura viva, conflituosa com os produtores rurais que enfrentam a tradição dos respigadores. O que catamos mostra por onde estivemos. Agnes mostra sua casa. Apresenta outros artistas, catadores urbanos, que usam mapas e bicicletas na suas táticas na ação de coleta. Confirma a demanda da obsolência, geradora de resíduos. Visita os brechós, onde compra uma pintura com imagem das respigadoras. Junto vêm as histórias de cada um na aparente insalubridade que as sobras sugerem. Há competição entre os catadores urbanos franceses e as tradições familiares desta cultura popular.

A respiga registrada em 1857 no quadro “Des glaneuses” (Os Catadores) óleo sobre tela / 83,5cm x 110cm, do artista Jean-François Millet, (1814-1875), na ação vemos três anônimas camponesas curvadas buscando os restos da colheita de trigo. O azul e vermelho seriam um sentimento nacionalista francês? Mas por que será que só uma figura humana, sobre a carroça, atravessa a linha do horizonte?  Porque a figura em primeiro plano, em pé, encosta sua cabeça no horizonte que divide a terra do céu (claro) na vida rural que se mostra ao fundo, vigiada por homens a cavalo, percebemos um afastamento social, onde na parte mais clara está a abundância em contraste com as escuras camponesas curvas. A obra está exposta no Musée d’Orsay em Paris, mas existe uma cópia feita por Anita Malfatti que está na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Millet foi inspiração, também, para Van Gogh (1853/1890) que ressignificou sua narrativa rural em diversas obras. Este tema foi apresentado na exposição no Musée d’Orsay entre 17 setembro de 1998 a 3 janeiro de 1999, Millet / Van Gogh.

http://www.musee-orsay.fr/en/events/exhibitions/in-the-musee-dorsay/exhibitions-in-the-musee-dorsay/article/millet-van-gogh-6743.html?cHash=36e1d081d9

O filme de Agnès Varda é um olhar sobre a insistência dos catadores contemporâneos, daqueles que vivem da recuperação de coisas que os outros rejeitam. Com uma pequena câmera digital, uma novidade no anos 90, Varda se assume como uma recuperadora das imagens que poucos cineastas desafiaram enfrentar com o olhar para os restos. Mostra uma França não mostrada por ninguém, afastada das cidades, acompanha as pessoas que sobrevivem de restos; se mistura aos catadores e coletores que vão até uma feira em busca de sobras de alimentos num país considerado desenvolvido. Com sua câmera em punho, subjetiva, mostra o percurso nas estradas francesas, e aparecem outras narrativas pessoais, neste caminho. Agnès Varda cata, na França, fragmentos, instantes de sua pesquisa desde os campos com sobras de batata às cidades com seus eletrônicos e mobiliários. Captura, apreende, utilizando toda sua vasta experiência no olhar para os insumos contemporâneos que clamam por atenção e novas práticas. Encontrou catadores com variadas e diferentes motivações. Seja qual for o motivo de procurar no lixo, necessidade, ou por acaso, essas pessoas coletam objetos descartados pelo outro. Traz e cruza diferentes mundos. Uns recolhem comida, outros objetos. As motivações pessoais da catação ficam guardadas em cada um.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u23147.shtml

Neste percurso, conhecemos a história do artista, ucraniano/francês, Bodan Litnianski (1913-2005), que após a segunda guerra, resolveu ficar na França. Passou a recolher objetos nas rua da cidade em Viry-Noureuil, perto de Chauny, Aisne, norte da França. Sua casa já diz bem o desafio deste interessante artista. Modificou a paisagem da sua localidade, Sua casa é uma coleção dos mais insólitos materiais ressignificados. Uma profusão de objetos colados em torres e totens demarcando seu território livre. Sua casa é um exemplo de paisagem inovadora.

https://www.google.com.br/maps/@49.6297481,3.2415303,3a,50.7y,199.84h,85.13t/data=!3m6!1e1!3m4!1sMzvliTUJL51fF7fcRKh-lQ!2e0!7i13312!8i6656!6m1!1e1

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Bodan Litnianski

Outros artistas são apresentados no filme: Louis Pons, Sarah Sze, e Gino Rizzi. Todos envolvidos com a catação e criação com objetos recuperados. Pons é um artista francês, nascido em 1927, que trabalha com colagens de objetos recuperados dos lixos.

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Colagens de objetos – Pons

Sarah Sze é uma artista, norte americana, nascida em 1969 em Boston. Seus trabalhos falam de lugar e espaço em sistemas aglomerados, uma rede de fragmentos de objetos desorientadores. Sarah trabalha em escalas que dialogam com a arquitetura do lugar,

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http://www.sarahsze.com/         https://en.wikipedia.org/wiki/Sarah_Sze

Gino Rizzi é um artista italiano, residente na Bélgica, trabalha com plástico reaproveitado, mas diferente de uma simples colagens de objetos, subverte-os alterando sua referência em busca de figuras orgânicas, espaciais.

gino rizzi